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21.04.2020

Posso revisar meus contratos imediatamente?

pandemia covid-19

 

Que essa reflexões sejam úteis, especialmente para os clientes e advogados.

Premissa básica: a crise é sistêmica. Começou na saúde, foi imediatamente para a Economia, desestabiliza a Política, a sociedade como um todo e, inevitavelmente atinge o Direito. Deturpa ou revela valores da personalidade da nossa sociedade!

Fundamental sim revisitar A TEORIA TRIDIMENSIONALISTA DE MIGUEL REALE: "Direito é NORMA, FATO SOCIAL E VALOR".

O grande problema é que nós, da área jurídica, somos os “monarcas da dogmática”, "os reizinhos da norma" e nos esquecemos que mais importante ainda são os fatos sociais, dinâmicos, e nossos valores diante deles, quase sempre longe dos ideais ou corrompidos por outros interesses.

MAS são os fatos e os nossos valores que devem resultar nas normas.

E os fatos sociais do momento jurídico são: há uma pandemia que paralisa quase toda a economia, há uma “reprecificação generalizada”, dos produtos, serviços, salários e dos lucros e perdas.

 Mas qual será o “novo preço” e “quando” haverá o encontro do "novo ponto de equilíbrio"?

Pergunta que todos se fazem: os contratos precisam ser cumpridos durante a pandemia? Todos os contratos precisarão ser revisados?

Primeiro destaque que precisamos fazer: o elastério de normas que estão sendo aprovadas e sobretudo um projeto de Lei que tramitou no Senado e está na Câmara e impacta profundamente as relações de direito privado NÃO REVOGAM O CÓGIDO CIVIL e tampouco as leis processuais que o instrumentalizam. Terão caráter obrigatoriamente TRANSITÓRIOS. Essa palavra deve ser fixada à exaustão. São transitórios. São transitórios. São transitórios.

Se houver tempo, poderemos discutir aqui sobre contratos de aluguel, financiamentos bancários,  PORTABILIDADE FINANCEIRA, serviços essenciais, PLANOS DE SAÚDE (LEI DO USO DE EQUIPAMENTOS DE PARTICULARES PELO ESTADO E PELO BEM DA COLETIVIDADE), seguros de vida, pacotes turísticos, CANCELAMENTO DE SHOWS E EVENTOS ARTÍSTICOS, novas mídias, shopping fechados. Parecem-me as preocupações mais urgentes.

Antes, porém, um relato interessante: um empresário, bastante abastado e que só lucra com a crise, me ligou e disparou: “ E agora, paro de honrar todos os contratos?”.  No que eu respondi. Você precisa? Por outro lado, outro que está a beira da falência, no ramo de alimentos me indaga: E agora, como faço para continuar pagando? Veja como os valores da sociedade são díspares.

Essa me parece a grande chave.

E o nosso ordenamento privado, sem prejuízo das normas transitórias para a crise jurídica que começam a surgir, já tem mecanismos para serem usados, talvez fruto de momentos de aprendizado como a própria gripe espanhola, as guerras mundiais, o “crash da bolsa de 1929”, as crises do petróleo e as mudanças de câmbio e os planos econômicos.

Destaco: a teoria da imprevisão, resolução por onerosidade excessiva e revisão dos contratos.

“Pacta sunt servanda”, desde que “rebus sic stantibus”, ou seja, essa regra não é absoluta, pois o panorama contratual é outro, o próprio Código Civil preceitua que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos (art. 421, Código Civil).

O artigo 421 , aliás, teve acrescido o parágrafo único pela Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19) que estabeleceu o princípio da intervenção mínima nos contratos em obediência à força vinculante dos contratos, contudo, prevê a revisão contratual no caso de excepcionalidade.

Art. 421. (...)

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação

A possibilidade de revisão ou até mesmo resolução contratual com base na pandemia trata-se de caso claro e clássico de "excepcionalidade" que pode ser facilmente comprovada pelas necessárias políticas públicas para contenção da disseminação do vírus.

Muito embora a Jurisdição seja única, universal, inafastável e direito constitucional do cidadão (art. 5º, XXXV), evidentemente haverá um crescimento a fórceps das soluções extrajudiciais de conflito (com avanço das câmaras de arbitragem e mediação), evitando-se o “demandismo” e o colapso do próprio Judiciário, mas apenas traçando os contornos do debate que será inevitável.

A solução do problemas passa de forma equitativa entre as partes, evitando-se a resolução do contrato pelo princípio da boa-fé.

É o que prevê o art. 479, do Código Civil, a saber:

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Em suma, a pandemia do coronavírus pode ser considerada como fato imprevisível, em matéria de contratos, e dar ensejo a teoria da imprevisão para resolver o contrato (art. 478 CC) ou apenas operar a sua revisão com a modificação equitativa (art. 421, parágrafo único, art. 421-A e, art. 479, ambos do Código Civil).

A meu ver, a resposta virá da própria saúde e da economia: quanto e quando será realizado a estabilização dos preços do mercado?

Não perca tempo. Revise seu contrato.